domingo, 27 de agosto de 2017

Túmulo
Estava realmente querendo aprender, curiosa e interessada, indagava sempre aos meus amigos e orientadores as dúvidas que iam surgindo. Gostava cada vez mais do Mundo Espiritual. 

Sentia que minha encarnação foi um período de viagem e que agora retornava ao meu verdadeiro lar. Foi com muita alegria que aceitei o convite de Artur para assistir a uma reunião Espírita no Centro que minha família freqüenta.

Fomos bem antes da hora do início da reunião. Visitei todos meus familiares, alguns tios e algumas amigas. Como ainda tínhamos tempo, Artur me convidou:


—Não quer ir ao cemitério e ver onde seu corpo está enterrado?


—Estranho pensar que meu corpo está enterrado, não o sinto.


—Ainda bem! Nosso corpo de carne é uma vestimenta querida.


Você o respeitou, cuidou bem dele, mas é perecível, não esqueceu disto.


Vive bem sem ele. A maioria sofre tanto sua perda.
Fomos. O cemitério é um local contraditório. Uns acham triste e não gostam, outros se deliciam passeando, é agradável a eles. Lugar de sofrimentos a muitos, como também de trabalho a tantos socorristas.


Fomos andando e fui observando tudo. Sentado no muro estava um grupo de espíritos ociosos, feios e sujos contando anedotas, gargalhando. Não nos viram, só conseguiriam nos ver se quiséssemos.


Somos mais sutis, eles vêem os que vibram igual na matéria.

Não paramos. Logo na entrada escutei gemidos, ais desesperados que saíam de alguns sepulcros.


—Muitos inconformados com a morte do corpo não querem largá-lo — Artur explicou.


Vi os socorristas, espíritos que pacientemente tentam ajudar, amenizando os sofrimentos de irmãos imprudentes que amaram mais a matéria perecível que a espiritualidade. Os socorristas também tentam orientar os arruaceiros que estão sempre no cemitério, mas não moram lá.


Estes espíritos bagunceiros vão visitar os cemitérios por não ter algo mais interessante para fazer.


Ao me aproximar do local onde meu corpo foi enterrado, vi duas senhoras que não conhecia comentando baixo:


—Patrícia morreu tão jovem, era bonita e educada.


—Estudava e trabalhava, era um ser útil, tinha futuro. Coitada!


Oravam com sinceridade para mim.


—Elas não sabem que tenho um presente e futuro lindos — comentei.


—O não entendimento da continuação da vida leva muitas pessoas a terem pena de quem desencarna. A desencarnação para as pessoas boas é Paz e Alegria.


Para os mau e ociosos, é o começo de sua colheita.

Fiquei grata às duas senhoras, orei por elas agradecendo-as. 


Envolvi-as em fluidos de Paz. Artur me esclareceu:

—A oração muitas vezes não atinge a quem se pretende beneficiar, indiscutivelmente, beneficia a quem ora.


Andamos mais uns metros em silêncio, Artur parou e mostrou.


—É aqui!


Olhei analisando. É um túmulo simples bem a gosto dos meus familiares. Sinceramente, nada senti. Li devagar os dizeres que meu pai sabiamente colocou: “Aqui jazem os restos mortais do corpo físico que Patrícia usou para viver e manifestar-se em nosso meio. Saudades”.


 Fiquei por minutos a olhá-lo e a meditar. Sabia de antemão que meu espírito sobreviveria à morte do corpo. Agora compreendia o que Jesus falou: “Deixai os mortos enterrar os mortos.” Além da morte física, muitos estavam mortos espiritualmente. Olhei em volta, vi espíritos que, além de ter perdido o corpo físico, continuavam cegos, surdos e mudos para a vivência na unidade com Deus. Enfim, mortos para a verdade eterna. Observando melhor, vi que não havia diferença substancial entre o encarnado avesso ao espírito e o desencarnado esquecido de sua semelhança com Deus. Os fluidos tanto de um como de outro eram apagados, feiosos, até cheirando mal, como encarnados que vibram mal e não fazem suas higienes corporais.

—Vamos, Patrícia — Artur me chamou.


—Sim.


Foi um alívio sair do cemitério, não gostava de ir encarnada e nem desencarnada.


Fomos ao Centro Espírita. Encantei-me, junto com a construção material existe a construção de energia mental que os desencarnados não podem atravessar.


Por isso muitos desencarnados se julgam presos em alguns Centros Espíritas. Mas, se lá ficam, é para esperar a hora certa para uma orientação ou ajuda para seus males.

O Centro Espírita é simples, conhecia-o bem. A construção mental que somente os desencarnados vêem é bem grande, é um Posto de Socorro onde atendem desencarnados enfermos. Tem um pátio para os encarnados, para nos, um jardim. Tudo muito limpo e confortável. Os trabalhadores me cumprimentaram sorrindo como se me conhecessem.


—De fato a conhecem — Artur me esclareceu. —Você freqüentava o Centro Espírita encarnada. 


Tantas vezes orou pelos irmãos infelizes.

Respondi timidamente aos cumprimentos e agradeci os agrados.


—Patrícia — disse Artur — tenho trabalho a fazer. Você ficará aqui com Tião e Lourenço. Quando for começar os trabalhos mando buscá-la.


Estávamos na frente do Centro Espírita. Para os encarnados há um portão, um corredor e uma porta. Para nós, após o portão, um corredor mais estreito e uma saleta onde está a recepção. Local onde são atendidos os desencarnados que ali vão em busca de socorro e orientação. São atendidos e encaminhados aos trabalhos e à ajuda necessária. Como vão os encarnados em busca de ajuda, vão também muitos desencarnados.


Curiosa, fiquei observando tudo. E começaram a chegar os que pediam auxílio. Muitos vinham acompanhando os encarnados. Uma senhora veio pedir pelo filho, também desencarnado, que vagava pelo Umbral.


Um senhor veio pedir ajuda para a filha encarnada que se achava em crise conjugal por influência de um desencarnado perturbado. Tião e Lourenço anotavam os pedidos, depois os orientadores estudavam, e procuravam atendê-los no que fosse possível. Um senhor idoso aproximou-se, andava com dificuldade e se
queixou.


—Vim aqui pedir ajuda ao “seu Zé”. Há tempo estou doente e vou piorando. De uns tempos para dá, todos parecem me ignorar, não me dão atenção, remédios, não conversam comigo. Não lhes fiz nada. Como sei que “seu Zé” ajuda a muitos, venho pedir-lhe ajuda. Posso falar com ele?


Falava mole, olhando para os lados, de repente, encarou-me.


—Valhe-me Deus! — gritou. —A filha morta de “seu Zé”! Uma
assombração! Acuda-me!


Corri e me escondi atrás de Tião. Não sabia o que fazer. Lourenço aproximou-se dele, acalmou-o com passes, outros trabalhadores vieram e levaram-no para o interior do Centro.


—Logo mais receberá a orientação através de uma incorporação — Lourenço disse sorrindo.


—Tenho jeito de assombração? — indaguei rindo para meus amigos. —Que susto o coitado levou! 


Não queria assustá-lo e nem quero assustar ninguém.

—Você não assombra, enche de luz e alegria onde esteja — Lourenço falou bondosamente. 


—Desencarnado que não sabe reconhecer seu estado temo outros desencarnados, muitos têm medo até de entes queridos.

Continuei lá, tentando ajudar no que era possível, estava anotando pedidos distraída, quando escutei:


—Psiu...


—Olhei e vi um rapaz que sorriu.


—Oi, disse ele.


—Oi, respondi.


—Você me vê?


—Vejo.


—Que legal! Começava a temer que estava ficando invisível.


Parei de escrever e olhei-o. Era jovem, estava bem vestido, só que sujo. Continuou sorrindo e me olhando.


—Faz tempo que não converso com uma gata. Sabe que é bem bonita? Quando larga seu serviço? Posso esperá-la e levá-la para casa ou mesmo para passear um pouquinho?


Fiquei surpresa e novamente não soube o que fazer. Lourenço veio em meu auxílio.


—Oi, meu rapaz! Não quer entrar e entender por que a maioria o julga invisível? Não tenha medo. Venha, necessita conversar.


O rapaz sentiu receio, mas a fisionomia de Lourenço inspirou confiança. Entrou com ele mas, antes, virou para mim e disse:


—Espere-me no final, quero conversar com você, gatinha.


Lourenço voltou logo. —Patrícia, este moço não sabe que desencarnou, receberá também orientação.


—Puxa, que noite! Primeiro assusto, depois sou paquerada.


Não agüentei e dei uma boa risada
.

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