domingo, 27 de agosto de 2017

Doutrinação
Após a oração iniciou-se a doutrinação dos desencarnados.

Apagaram as luzes para facilitar a concentração, evitando distrações
visuais, proporcionando assim as projeções mentais que iriam agir com mais facilidade no mundo astral.


Encarnada sempre gostei de prestar atenção nas doutrinações aos desencarnados. Cada desencarnado tem sua história e algumas bem interessantes. Agora, vendo a orientação, o socorro do lado de cá, gostei mais ainda, é bem mais fascinante. Mas vendo tantos mutilados, muitos com sinais de torturas, fiquei um pouco apreensiva. Era um grupo que foi libertado do Umbral pelo trabalhadores do Centro, onde estavam presos como escravos. Alguns encontravam-se abobalhados, observei e senti dó.


Maurício me disse baixinho:


—Patrícia, nada é injusto. Colhemos o que plantamos. A reação é de conformidade com a ação. Pelo menos dois destes espíritos devem falar pela incorporação um pouco de suas vidas. Verá que ignoravam os ensinamentos de Jesus. Viveram encarnados para o gozo, para a matéria e prejudicando o próximo. 


Dois deles foram feiticeiros ou macumbeiros, fazendo mal a irmãos por dinheiro. Usaram de desencarnados como empregados, estes os serviram, depois foi a vez de eles os servirem.

Todos vão ser socorridos, curados e levados para recuperação ao hospital da Colônia.


Muitos dos necessitados seriam incorporados, entre eles muitos não sabiam que desencarnaram. Normalmente, comparando seus estados, o desencarnado com o encarnado, compreendem que o corpo físico morreu. Quando nós desencarnados chegamos perto de um encarnado, nota-se logo a diferença, a não ser que estejamos completamente iludidos e, não querendo aceitar a realidade, fingimos não perceber. 


Comparando-me com um encarnado, sinto-me leve, solta, o perispírito é um corpo muito mais delicado e sutil que o material.

Maurício, sabendo o que pensava, aproveitou para me esclarecer:


—Em Centro Espírita onde o Bem é a meta, a incorporação é feita para ajudar. O desencarnado necessitado de auxílio recebe orientação e cura nestes trabalhos de caridade. A percepção de estar encarnado ou desencarnado é essencialmente mental. Como há o medo da morte, do desconhecido, o desencarnado mantém-se iludido de que ainda está na carne. Mas há desencarnados que conhecem seu estado e gostam de incorporar. São os que ainda não se realizaram espiritualmente. O corpo mental encontra o prazer nas necessidades físicas. Estes são os que necessitam de uma orientação séria e honesta. Mas, enquanto não recebem, a maioria não quer nem receber ou mudar, incorporam em médiuns invigilantes, sem estudos, que não freqüentam lugares que seguem a orientação de Kardec. Porque incorporados sentem florescer instantaneamente todos os desejos mundanos. Em muitos casos, fazem até certos favores a encarnados.


—Puxa! Não pensei que existissem desencarnados que gostassem de se sentir no corpo carnal!


—Os que idolatram a matéria, e gostam somente do prazer, e não da dor que o corpo possa sentir, gostam de incorporar. Mas prestemos atenção agora, as doutrinações começaram.


Dois do grupo de escravos que tanto me impressionou foram os primeiros a receber ajuda pela incorporação. De fato, falaram um pouco de si.


Fizeram maldades, tendo oportunidades não fizeram o Bem nem a outros e nem a si mesmos. 

Este Bem a si mesmo é que tiveram oportunidade de aprender, instruir-se moralmente e religiosamente e não o fizeram. Viveram encarnados sem se preocupar com a desencarnação.

Sem pensar que fossem obrigados a colher do que plantaram. Todos do grupo tiveram os perispíritos recuperados, curados, e ficaram numa outra fila para serem levados para a Colônia.


Fiquei mais aliviada ao vê-los já sem sofrimento, desejei de coração que se recuperassem espiritualmente. Que a dor tivesse conseguido ensiná-los e que se voltassem realmente a Deus e se afastassem do mal.


O senhor que se assustou comigo foi despertado e recebeu através dos médiuns orientações; preocupado com suas dores, esqueceu que me viu. Numa comparação com o encarnado, entendeu que desencarnara.


Foram também socorridos muitos espíritos que estavam com o perispírito lesado, necessitavam se harmonizar. Estes lesados eram os que se
sentiam como encarnados com todas as suas doenças. A impressão é forte, o não entendimento da desencarnação faz que continuem doentes.


Outros, o remorso destrutivo levou a lesar o perispírito. Como é imprudente a maioria dos encarnados! A morte do corpo não parece ser para eles, quando desencarnam e sofrem, desesperam-se, perturbam-se.


O moço com quem conversei antes ficou na fila. No começo parecia divertir-se, mas comportou-se educadamente. Depois, prestando atenção nas orientações que outros desencarnados recebiam, começou a chorar baixinho. Inteligente, entendeu que desencarnou. Lourenço veio em sua ajuda, abraçou-o e mimou-o como um nenê. Nos braços de Lourenço, ele recordou como desencarnou. Teve medo. Que seria dele? Lourenço mostrou-lhe o lugar para onde iria, seria levado para a escola na Colônia.


Tranquilizou-se e adormeceu. Lourenço colocou-o na outra fila, não necessitaria de incorporação.


Ainda bem, não pude deixar de pensar, não deve ser agradável estar desencarnado e agir como encarnado. 


Infelizmente sei que com a maioria acontece isto. A desencarnação é natural e para todos. O corpo morre e a maioria sente-se perdida e perturbada. Pior ainda quando não fez boas ações, é terrível quando se fez muitas más. A desencarnação não pode ser muito diferente do modo de vida que tinha quando encarnado. Quem cultiva a matéria a ela fica preso, quem entesourou bens espirituais é um bem-aventurado no Plano Espiritual. Não se deve viver encarnado só pensando na morte, mas também não se deve ignorá-la.

Não pensar na morte para si, e não entender que seja este fato tão normal, acarreta muitas perturbações, porque o perispírito é cópia exata do corpo, sente-se as mesmas necessidades até entendê-las e superá-las.


Aquele moço achou ali, no Centro Espírita, o entendimento. Com os outros, seria levado à Colônia onde aprenderia a viver com desencarnado.


O medo que teve foi do desconhecido. Que seria dele? Vem forte em muitos a idéia do inferno. Ao entender que não é tão complicado, o medo passa e vem a esperança.


Um homem desencarnado, que estava na fila para receber orientação, me chamou atenção. Estava imóvel, duro, sem se mover. Ao ser colocado perto de um médium, recebeu de um dos trabalhadores desencarnados uma carga magnética e também sentiu o calor do corpo físico. Sentia dores por todo o corpo, devagar, conseguiu mover alguns músculos. Alegrou-se por se mover, com ajuda do orientador encarnado conseguiu responder sua saudação.


—Boa noite!...


Vencendo as dificuldades, foi conseguindo falar. 


Quando encarnado foi orgulhoso, senhor de muitos bens, sua vontade era lei.

Cometeu muitos erros. Gostava muito de si mesmo, de sua imagem, era forte e arrogante. Mandou fazer uma estátua sua. Realmente o artista a esculpiu muito bem. A estátua ficou linda. Foi colocada em uma praça para ele ser lembrado do benfeitor que foi. Porém, sempre há um porém, a morte veio destruir seus sonhos e ilusões. Desencarnou por um infarto.


Não se conformou, queria estar encarnado. Inimigos o perseguiram por anos, aos poucos, foram abandonando-o. Mas o tempo passou e tudo mudou, sua casa, suas terras. Só a estátua continuava lá. E perto dela foi ficando, até que fez dela seu escudo, como se fosse seu corpo. 


Colou-se a ela. Sentiu seu corpo endurecer e não conseguiu mover-se mais e nem falar. Só escutava e via o que estava à sua frente. Fazia sessenta anos que desencarnara.

O orientador pediu para ele rogar perdão ao Pai e que fizesse um propósito de viver conforme as lições do Mestre Jesus. Ele o fez. Estava sendo sincero. A dor lhe cansou e não tinha mais nenhuma razão para ter orgulho.


Foi caminhando, embora apoiado por um socorrista, à fila que iria para a Colônia. Também iria para um hospital. Chorava, suas lágrimas corriam abundantes fazendo-lhe bem.


O orgulho e a arrogância são duas chagas que acabam por sangrar, trazendo muitos sofrimentos.


Com grandes proveitos encerraram-se as doutrinações. Todos os socorridos foram conduzidos ao aeróbus para serem transportados à Colônia. Este fato acontece na maioria dos Centros Espíritas. Mas pode ser que socorridos sejam levados a Postos de Socorro e, em outros Centros, podem ficar em locais de amparo, socorro, pequenos hospitais nos Centros mesmo.


Foi feita a Oração de Cáritas e de encerramento. Os trabalhadores desencarnados do local jogaram fluidos, energias benéficas sobre os presentes. 


Maurício novamente elucidou-me.

—Os encarnados e mesmo grande parte dos desencarnados ainda não vivem a fé, a fidelidade com Deus; porque, se tivessem a fé, cada indivíduo seria um pólo dinâmico de energias balsamizantes, harmoniosas e curativas. Mas, como ainda não chegamos lá, ao final da reunião há uma união mental entre os responsáveis por este local.


Consequentemente eles projetam energias mentais, plenas de luz, paz e afeto, saturando o ambiente e as pessoas de vitalidade. Esclareço que estas energias só permanecem quando sustentadas por quem as emite.


Apesar de todo o ambiente estar assim saturado, só se beneficiam aqueles que através do sentimento afetivo sintonizam-se com estas vibrações de amor e afinidades espirituais.


Estes fluidos, energias, são maravilhosos. Muitos desencarnados choraram emocionados. Parece uma chuva fininha colorida que cai do teto, iluminando suavemente o local, o aroma é agradável. Concentrei-me e abri meu coração, quis receber. 


Por segundos senti-me molhada, senti a luz entrando nos meus poros, é uma alegria indescritível.

A reunião terminou, acenderam as luzes. Os encarnados conversaram amigavelmente, aproximei-me de minha mãe e a beijei, depois, papai. Saíram todos, os encarnados apagaram as luzes e fecharam o local. Mas não ficou escuro no Plano Astral. O trabalho continuaria por muitas horas. Minutos após, Maurício me chamou para voltarmos à Colônia. Ainda não sabia volitar até a Colônia sozinha.


Lourenço nos acompanhou. Para sair da Colônia, os internos necessitam de autorização. Os que já têm conhecimento e trabalham são chamados de moradores, estes também necessitam de autorização. Só transitam sem esta autorização os que trabalham nos dois planos, na Crosta e na Colônia. Todas minhas vindas ao Plano Físico eram com permissão, e só depois de muito tempo é que pude vir sozinha. As Colônias são lugares seguros, de paz, saturadas de energias edificantes. Entre os encarnados as energias são heterogêneas e podem ser perigosas para alguns desencarnados que não estão preparados.


Estava feliz. Queria aprender a ser útil, sabia que não basta só vontade para servir, necessitava saber. Sempre amei o Centro Espírita, a Doutrina Espírita. Ter assistido a uma reunião proveitosa alegrou-me mais ainda. Olhando o firmamento com suas inúmeras estrelas, agradeci a Deus. Tinha muito que agradecer, nada a pedir, mas roguei: 


“Pai, alimenta minha vontade de aprender e de ser útil.”

Volitar é tremendamente agradável...

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