domingo, 27 de agosto de 2017

A História De Ramiro
Ramiro nos escutava com atenção, então lhe perguntei:

—E você, Ramiro, não quer falar um pouco de si? Escutar amigos é obter informações.


—Até pouco tempo envergonhava-me de falar de minha vida encarnada, da minha desencarnação.


Depois, aprendi que todos nós temos nossas histórias e que aqui na Colônia não há críticas e, sim, ajudas. Tem razão, Patrícia, escutar amigos é receber preciosas lições.

Minha desencarnação foi bem triste. Por que a maioria das desencarnações é triste?


Fez-se silêncio de minutos. Realmente, pensei. De quase todos aqui, escutei: “Minha desencarnação foi triste... ou sofri muito na minha desencarnação...” Foi Maurício quem respondeu:


—Porque a maioria não pensa na desencarnação para si, não se prepara para a continuação da vida. Vivem encarnados como se fosse seu objetivo maior, amam mais a matéria que as verdades espirituais.


Não amam o verdadeiro e, sim, as ilusões da carne e a elas ficam presos.

Desesperam ao deixar o corpo físico perecível, esquecem que este veículo físico é temporário. Não vivem de conformidade com os exemplos de Jesus, temem a morte do corpo. Assim sendo, a desencarnação é triste e dolorida. Mas os bons, os que encarnados serviram ao Pai, viveram os ensinos de Jesus, nada temem e a desencarnação é uma alegria.


Maurício quietou e olhamos para Ramiro, convidando-o a continuar
narrando. Nosso amigo não se fez de rogado.


—Desencarnei jovem. Tomava drogas, não era ainda um dependente, eu pensava não ser. Iludimo-nos muito ao fazer uso de drogas, achamos que paramos quando queremos, mas ao tentarmos nos libertar é que compreendemos o quanto estamos presos a elas. 


Comecei com maconha e passei à cocaína. Minha família não sabia, não soube.

Não tinha motivos para justificar meu envolvimento com as drogas. 


Agora, tenho certeza que não há motivos que justifiquem esta loucura. Comecei quando namorei uma garota muito bonita e cobiçada pelos rapazes da escola. Ela e sua turma fumavam e me induziram a fumar maconha.

 Com medo idiota de ser tachado de bobo, imaturo, etc., passei a fumar. Terminei o namoro mas fiquei na turma. Numa corrida, num “racha” com uma moto emprestada, tive um acidente. Caí da moto e bati com a cabeça numa pedra. Meu corpo morreu na hora.

Fiquei muito perturbado. Vaguei por entre os familiares e com os amigos da turma. Os membros da minha turma deram uma parada com as drogas, temeram com a minha desencarnação. Alguns dias depois que desencarnei comecei a sentir falta da cocaína. Todo meu perispírito ansiava pela droga. Foi horrível.


Em casa, o desespero de ver minha mãe chorar agoniava-me. Sentia-me culpado. E fui. 

Desencarnei por minha imprudência, por brincar com a moto, veículo tão perigoso e por estar drogado. Desencarnei antes da hora prevista. O sofrimento dos meus me enchia de culpa e remorso.

Incomodava-me ficar em casa, saí e vaguei.

Entendi que desencarnara, embora não soubesse ao certo o que ocorrera comigo, meu corpo morreu, mas eu continuava vivo e não sabia o que fazer. Foi aumentando a vontade de injetar cocaína. Nunca pensei em sofrer tanto. Esta foi minha necessidade primordial. Não me interessava em alimentar, com frio ou calor, às vezes sentia sede. Resolvi buscar a droga. Sabia de outra turma que tomava muito mais drogas que a nossa.


Fui procurá-los. Nem me aproximei. Ao lado deles estavam monstros horríveis. Mais tarde vim a saber que eram tão somente desencarnados viciados, irmãos em sofrimentos, presos a drogas a vampirizar encarnados viciados.


Estava desesperado. Sentia minha avó orando por mim. Minha avó era espírita, o que era motivo de gozações de nossa parte, principalmente dos netos.


Pensei: não é que minha avó deve estar certa! Morri e estou aqui como espírito vagando. Lembrei dos termos que ela usava. 

Sabia onde se localizava o Centro Espírita que ela freqüentava e fui andando até ele. Estava aberto. Entrei envergonhado. Quando um senhor, um socorrista desencarnado do Centro me indagou o que queria, falei implorando: “Me socorre pelo amor de Deus! Aqui não ajudam espíritos que vagam? Morri e não sei o que fazer. Estou desesperado. Quero tomar uma dose de cocaína, senão morro. Não posso morrer outra vez, não é?

Se não posso morrer de novo, não sei o que acontecerá se não tomar a cocaína. Minha avó freqüenta aqui. Socorre-me!”


O socorrista me olhava bondosamente, caí nos seus braços e dormi. Sou grato aos Espíritas, às pessoas bondosas que me acolheram.


Fui levado para um hospital, a um ala onde se faz a recuperação de viciados em tóxicos. Não foi fácil minha luta com o vício. 


Desesperava e era bondosamente auxiliado pelos irmãos que lá trabalham. Foram muitos meses em tratamento. Tomava passes, aprendi a orar, nos momentos que não estava em crise, lia livros Espíritas e o Evangelho. Tomava refeições, água, banhava-me somente quando me sentia melhor.

Quando melhorei, fui ver outros irmãos imprudentes como eu. O que vi, não esqueço. Sofrimentos que nunca pensei existir. Vi muitos jovens deformados, débeis em recuperação, iguais aos que julguei serem monstros. Entendi que socorridos estavam no caminho que os livraria do sofrimento. Pior eram os que não tinham socorro, os que não queriam se libertar. 


Compreendi que não sofri tanto porque minha avó com suas orações sinceras me guiou. E também porque não fiz outras ações erradas, não cometi crimes tão comuns entre os toxicômanos.

 E busquei logo um socorro, senão ia vagar em sofrimento como tantos outros.

Desintoxicado vim para o Educandário, onde estudo e me preparo, quero, no futuro, ser um socorrista de irmãos escravos dos vícios. A necessidade que tive desencarnado foi para meu sofrimento, minha agonia, a cocaína.


Só ansiava, desesperado, por ela.


Ramiro calou-se e foi abraçado por Maurício.


—Estamos presos aos que nos ligamos quando encarnados. Tenho certeza de que você, meu jovem, será um excelente socorrista.


—Será, sim! — Oscar falou, sorrindo.


Ramiro, aproveitando a presença de Maurício, indagou-o ávido por aprender.


—Maurício, o que acontece com as pessoas com doenças como o câncer, que tomam remédios fortes para conter as dores e que muitas vezes estes medicamentos abreviam a existência encarnada.


Elas também sentem falta dessas drogas quando desencarnadas? 

Está errado  tomá-las já que abreviam a existência corporal?

—Cuidar do corpo físico é obrigação de todos nós que por um período temo-lo para viver encarnado.


 Temos que dispor do que a Medicina terrena nos oferece para curar as doenças. Se o que dispomos para amenizar nossas dores pode abreviar a existência, não é culpa nem dos médicos nem dos doentes. Acredito que a ciência logo encontrará novas formas de alívio e curas. Mas, meu jovem Ramiro, ao tomar uma droga como medicamento indispensável, ela não nos fará falta quando desencarnados. Porém, como médico socorrista, há anos vejo muitos agirem de várias formas diante da dor. Os que sofrem doenças dolorosas no corpo, com resignação, são socorridos, logo estão bem. Os que se revoltam diante da mesma dor desencarnam, nem sempre podem ser socorridos e sentem os reflexos da doença e as dores. Querem, às vezes, os remédios para se curar, suavizar as dores. Mas não são viciados, não sentem falta da droga, pois as tomaram como medicamento. Tenho visto, aqui, pessoas que ficaram dependentes de soníferos. Quando socorridas, têm que aprender a dormir sem eles, têm de se livrar desta dependência.

Remédios devem ser tomados quando necessário. E nos casos de câncer, doença que normalmente provoca dores terríveis, mesmo se acontecer de abreviar a existência é certo tomá-los. É o que a Medicina dispõe como tratamento. O uso é permitido, o mau uso é que é condenado.


Aquietamo-nos por momentos. Achando que podia nos elucidar mais, bondosamente Maurício completou: —Podemos dizer que os habitantes da Terra sejam encarnados ou desencarnados são de dois modos. Há os que por esforço se tornam autosuficientes ou servos úteis e há os necessitados, embora entre os dois haja aspirantes, os que querem aprender a ser úteis. A faixa dos primeiros infelizmente é pequena. Basta observar nos Centros Espíritas: os que vão para ajudar são poucos e grande parte são necessitados porque querem.


Tendo oportunidade não querem passar de necessitados a autosuficientes; estas necessidades acarretam sofrimentos como ocorreu com Oscar e Ramiro, e ocorre com tantos outros. Ser ou não ser. Encarnado ainda pode enganar e iludir-se. Desencarnados não há como enganar. Os fluidos, vibrações de um espírito bom, são agradáveis e os fluídos dos espíritos ignorantes são maus. O espírito tem sempre muitas oportunidades e pode pelo seu livre-arbítrio refletir o belo e o bem, ou o feio e o mal. O belo e o bem se apresentam na harmonia, no equilíbrio. E desta harmoniosa união surge o amor que leva a progredir espiritualmente. O feio apresenta-se na turbulência da ignorância, gerando o ódio, a inveja, os desejos insaciáveis, o egoísmo que é a maior chaga perturbadora, o luxo e a luxúria, tornando o homem um verdadeiro vulcão de conflitos interiores, tornando a vida humana um inferno seja encarnada ou desencarnada.


Devemos compreender sem ilusão o que realmente somos e não o que pensamos ser e com coragem realizar nossa transformação. Ser agora no presente.


O futuro é uma conseqüência vivida do presente e não fruto de aspirações de uma mente ociosa que deixa sempre esta transformação para depois. É nossa obrigação passar de necessitado a útil.

Oscar, Ramiro e eu agradecemos comovidos a Maurício pela bela lição. Prometi a mim mesmo não ter mais necessidades, não somente as que se refletem do corpo físico como a de alimentação, a de dormir, etc.


Mas as principais: não ser pedinte de graças, não querer que outras pessoas façam o que posso fazer e também aprender para ser útil e para servir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário